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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

meet me in montauk

Era assim que eu me sentia quando estávamos juntos, insone. Você sempre dormia tranquilo na escuridão inóspita do quarto. Enquanto eu, enfiando o nariz no seu pescoço entre o travesseiro, o seu cheiro e sua orelha, me aconchegava na grossura daquela barba desgrenhada que eu tanto gostava e te abraçava confusa sobre o que fazer com o meu amor, nunca sobre te amar; muitas vezes o fiz até amanhecer. Comumente desejava um cigarro para acalmar meu coração inquieto, ou planejava movimentos e barulhos acidentalmente propositais para que você acordasse - na maioria das vezes os dois - e ficasse um pouco mais comigo. Eu sentia tantas saudades das nossas madrugadas juntos, eu sentia tantas saudades nossas. Eu sentia todos os dias, até nos mais difíceis, mas você não sabe. Assim como você nunca acordava e nem eu fumava, assim como você não sabe de tantas outras coisas que eu queria que você soubesse. Ao invés disso, pela iminência daquela solidão compartilhada, passei a me tornar íntima dos barulhos madrugueiros no condomínio onde morávamos. Mais do que o normal, admito, mais do que apreciava até. Eu sabia, inclusive, alguns horários costumeiros dos vizinhos pontuais. Virei, praticamente, uma amarga e precoce senhora fofoqueira. Aquelas que ficam, simpaticamente, debruçadas nas janelas, ao lado das violetas floridas e bem cuidadas, emanando cheiro de bolo - o qual nunca nos oferecerão, mas sempre desejaremos - e sabem o nosso nome completo, idade, número do cpf, histórico de desgraças familiares, inclusive, e outras coisas que você nem imagina. A diferença é que eu fazia minha "ronda" à noite, sem bolo, sem flores e sem janela, muito menos simpatia e quase que por descuido, já elas, senhorinhas desavergonhadas que são, a fazem em plena luz do dia, por prazer, ócio ou também pela tal da saudade, - sempre ela, afinal. Saudade, talvez, de uma vida que passou rápido demais e agora parece tão menos interessante perante as possibilidades infindas proliferando diariamente daquelas vidas que habitam um condomínio e insistem em perambular em frente às janelas curiosas, levando consigo, bem ali debaixo do braço, os seus causos mirabolantes.
Eu me perguntava, curiosa que sou, se rendíamos boas histórias. Se éramos um casal instigante para os padrões de qualidade das velhinhas ociosas. Será que elas ainda falam sobre nós? Eu falo.

Paula Moran  Fevereiro/2013

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Pretérito perfeito

Vamos fugir? [ Vamos viver do comércio barato de poemas de amor? ] Eu juro que sobrevivo com uma mala pequena, com o Bono incomodando e contigo me amando. Eu viveria bem assim, sim! E quando tudo ficar ruim, quando der saudade até mesmo do que fazia mal, sempre vai ter o nosso mate pra amargar o passado e encorajar pro futuro. Eu quero viver do nosso bem, do teu cheiro de café, do meu dom de ser totalmente sem dom e perfeita pra ti, da tua cara amassada de manhã, das nossas conversas sérias no escuro, das nossas divagações sobre o futuro. Futuro! A gente já tem um todo programadinho, só falta um pontapé… Longe, muito longe e sempre perto, muito perto de ti. Kitnet ou casarão, de madeira ou cimento, pré-fabricada, nova, velha, rosa, verde, azul, marfim! Nosso cantinho, com nosso cheirinho, eu quero isso pra mim!

"Talvez tudo, talvez nada - nada."


Paula Moran  Abril/2010

Se Puder Sem Medo


❝ ❞
Deixa em cima desta mesa a foto que eu gostava
Pr'eu pensar que o teu sorriso envelheceu comigo
Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha
Pra que eu fotografe assim meu verdadeiro abrigo
Deixa a luz do quarto acesa a porta entreaberta
O lençol amarrotado mesmo que vazio
Deixa a toalha na mesa e a comida pronta
Só na minha voz não mexa eu mesmo silencio
Deixa o coração falar o que eu calei um dia
Deixa a casa sem barulho achando que ainda é cedo
Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia
Deixa tudo como está e se puder, sem medo
Deixa tudo que lembrar eu finjo que esqueço
Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa
Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
Pra dizer te vendo ir fechando atrás da porta
Deixa o que não for urgente que eu ainda preciso
Deixa o meu olhar doente pousado na mesa
Deixa ali teu endereço qualquer coisa aviso
Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa
Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo
Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande
Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo
Se o adeus demora a dor no coração se expande
Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa
Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência
Deixa a minha insanidade é tudo que me resta
Deixa eu por à prova toda minha resistência
Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro
Deixa eu contar que era farsa minha voz tranqüila
Deixa pendurada a calça de brim desbotado
Que como esse nosso amor ao menor vento oscila
Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa
Deixa um último recado na casa vizinha
Deixa de sofisma e vamos ao que interessa
Deixa a dor que eu lhe causei agora é toda minha
Deixa tudo que eu não disse mas você sabia
Deixa o que você calou e eu tanto precisava
Deixa o que era inexistente e eu pensei que havia
Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava

Oswaldo Montenegro

Sweet popcorn

Espero, sinceramente, que você esteja feliz. Que tenha recuperado aquele brilho nos olhos pelos quais me apaixonei. Espero que os seus dias façam algum sentido sem mim, nem que seja por um pequeno instante, nem que seja por um detalhe, que seja, enfim, pelos detalhes. Desejo, de coração, que eu tenha lhe ensinado a apreciar pequenas coisas e torná-las grandes. Espero que esse novo alguém, que um dia foi meu, que eu tanto quis que fosse assim, seja verdadeiramente o que você é. Porque dentre as tantas coisas que aprendi contigo, a segunda mais importante foi que por mais que a gente tente ser outra pessoa, só seremos verdadeiramente felizes e faremos os outros felizes sendo, apenas, nós mesmos. Puros e simples nas nossas loucuras, defeitos, virtudes, medos e desejos. Por fim, desejo que ponhas em prática a primeira coisa mais importante que me ensinou, o amor, a amar. Eu quero que você ame, queria poder dizer que fosse a mim, queria sentir que fosse a mim, apesar de tudo. No entanto, eu só desejo que você se ame, e quando esse amor transbordar que você não tenha medo ou receio de compartilhar. O mundo pode ser teu, assim como um dia foi nosso.

Paula Moran  Janeiro/2013

Illusion ou réalité?

Você passa anos de sua vida descontando seus desprazeres no cartão de crédito, jura que precisa daquela saia inútil, brilhando no corpo da manequim mais esguia, na vitrine da boutique mais cara, cujo preço material você tem vergonha de revelar, mas acredita que espiritualmente ela vale cada centavinho e que cumprirá perfeitamente bem, aliás, melhor que qualquer analista especializado no ramo de loucuras inventadas, o papel de resolver seus problemas. Quais problemas mesmo? Você ganha muitos pontos no quesito culinária cozinhando e aprimorando sua especialidade gastronômica: brigadeiro de panela. Aquele que você come sozinha, enrolada num edredom cheiroso, afundada no sofá em meio a almofadas fofas e sempre queima o céu da boca, a língua e todas as outras partes nomeáveis da abertura anterior do seu tubo digestivo, enquanto devora, com a delicadeza de uma onça faminta que encontrou uma família de gazelas desavisadas, toda a sua maravilha açucarada, diretamente na panela, óbvio. Confesse, você conta nos dedos de uma mão as vezes que ou tirou o brigadeiro da panela ou esperou o dito cujo esfriar. Se tiver sorte você consegue chegar em algum número a partir dessa reflexão. Quer saber? Não reflita. Você também já deve ter gasto muitas horas úteis da sua vida, sim, porque cada segundo do seu dia é útil. Você poderia estar estudando sobre fotografia, aprendendo um novo idioma, salvando um siri do triste fim que é morrer sufocando na beira da praia, quando o mar está logo ali atrás, mas não, você prefere ver uma comédia romântica, eu digo uma, mas eu sei que você empilha umas quinhentas em frente à televisão. Por favor, aprenda, de uma vez por todas, eu não vou repetir, pois irão dizer que sou amarga: comédias românticas só nos ensinam que se aprendermos algo com elas, seremos infelizes, burras e supérfluas. Aquilo não é vida minha gente, aquilo não é real! Até porque, eu duvido muito que, mesmo sendo um Ashton Kutcher da vida, você iria querer um desses caras sou eu de “Um amor para recordar” colado no seu pé e, convenhamos, nesse filme, ela morre no final! Eles são feitos para chorarmos, qualquer história de amor é linda quando esse amor não tem nem a possibilidade de amadurecer. Eu assisto, admito, sou mulherzinha, sejam mulherzinhas, mas antes disso, lembrem-se de serem mulheres, na imperfeição maldita e bela que desfilamos na nossa dicotômica alegria e luta diária entre chapinha e rabo de cavalo, TPM e bom humor, príncipe encantado e cafajeste, camiseta branca e pretinho básico. Falando em realidade, e retomando a ideia sobre onde descontamos nossas frustrações, o carnaval me fez pensar em quantas mulheres não passam o ano todo esperando a tal data para soltar a franga, galinha, perua, chester, seja lá o que tenham dentro de si – eu hein?! – aí chega a tal data purpurinada em que tudo é supostamente permitido e usado como pretexto para enlouquecer, esvaziar o cérebro, a alma e entupir o corpo de germes de pessoas desconhecidas, ok, nada contra, juro. Não, não juro! Vamos fazer uma pausa e refletir sobre aquela saia, a conta do cartão de crédito vai chegar no final do mês, os quilinhos a mais oriundos do seu delírio mestre cuca irão aparecer na balança, as horas perdidas chorando inutilmente por histórias que nem são suas, farão falta no futuro e, amanhã, quando você acordar e não for mais carnaval, as ruas vazias e os confetes caídos dos seus bolsos te lembrarão que essa é só mais uma conta a pagar e mais um problema que você não tinha e foi lá correndo buscar. Será que a sua vida não é boa demais e você só não aprendeu a merecer?

Paula Moran  Janeiro/2013

Persona non grata



Grita comigo, puxa meu cabelo, me chama de horrorosa, pisa nos meus calos, diz que eu sou insuportável, me chinga, fuma meus cigarros, toma minha cerveja, invade meu espaço, fica anos com meus livros, denigre a imagem dos meus cantores preferidos, esculacha o meu estilo, joga uma barata em mim, me despeja ordens, põe açúcar no meu café, interrompe meu sono, quebra as minhas coisas, rabisca meus cadernos, me obriga a tomar mate lavado, desdenha dos meus gostos, eu aguento, juro, mas não venha me julgar ou dizer quem eu sou. Porque isso talvez seja - isso é - uma das únicas coisas que eu tenha certeza na vida, sobre mim, sou eu quem sabe, mais ninguém.
Seja delicado, seja gentil. E quando não tiver nada de melhor pra fazer nessa sua vidinha ~ supercool ~, já que a sua criatividade limitada não permite nada mais atrativo, já que seus infinitos amigos estão sempre tão ocupados, sua abrangente cultura já visitou todos os cantos do conhecimento universal e uma hora até as besteiras do facebook não te aturam mais e se negam a ser compartilhadas, vai analisar seu umbigo, ele não deve servir só durante os nove meses de gestação ou para botar piercing. Talvez se você pudesse liberar um espaço da sua massa cinzenta, que parece estar ocupada desvendando meu modo de ser, perdão, tendo certeza sobre o meu modo de ser, você pudesse aprender um pouco sobre essência, acho que essa parte do conhecimento humano você deixou escapar. 
Me desculpe, sinceramente, se pareci ousada. Deve ser carência, já que sou digna de pena e não tenho nada melhor para fazer da vida. Eu queria te mandar longe, mas como sou previsível, eu escrevi um texto idiota.
Beijo, não me liga, não me analisa, não me cuida, não se importe, eu fico melhor assim e eu sempre acerto, pelo menos isso você tem que admitir e essa deve ser a pior parte, né? Mas não se preocupe, quando precisar eu estarei aqui, como sempre. Porque você vai. Não é praga, é vida que chama! E ela tá te chamando faz anos.

Paula Moran Fevereiro/2013

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Entregue-se!


Sempre gostei de comemorar a virada do ano, ao contrário do que possam pensar os que me conhecem, também já gostei de comemorar o Natal e tenho esperanças, lá no fundinho, bem escondidas, guardadas, sufocadas – como queiram – de que um dia ainda hei de descobrir uma nova forma de gostar outra vez. Enfim, voltando ao tal do Reveillón, ele é um danadinho, não é mesmo? Vem nos envolvendo de mansinho, geralmente com champagne, mesa de frutas e amanhecer na praia, sem falar no papo cheio de ideias ilusórias de que daqui pra frente tudo pode mudar, tudo vai mudar, aquelas historinhas que a gente adora ouvir e fingir acreditar, ele é praticamente a personificação de um cara! O Natal é sagrado [chato], o Ano Novo é depravado e cafajeste [excitante]. Não vim perder meu tempo escrevendo sobre sorte ou desejos para 2013, muito menos dizer que amo meio mundo até porque não tenho tanto amor assim para ficar gastando, embora eu ame, e muito, mas poucos, talvez por isso esteja quase me afogando em “melosidade” neste final de ano e escrevendo mais do que o normal. O que eu vim, afinal, dizer foi inspirado na música “Entregue-se”, da Tiê. Conhecem? Pois deveriam! Enfim, aproveitem a maldita mania de usar a desculpa do novo ano, como se passar de um número para outro apagasse os 365 outros que ficaram lá atrás e façam realmente algo de útil, sugestões: não façam listas, são ABSOLUTAMENTE INÚTEIS - tirando as de viagem - simplifiquem a vida, não só a tua, mas a das pessoas ao teu redor, energia boa contagia, ruim contamina, seja um ser contagiante ou mantenha-se distante de mim, crie coragem, não sei de onde irão tirar, não sei, nem faço questão de saber como [embora o que eu saiba bem sabido é que tequila ajuda, ou vergonha na cara mesmo], mas criem IMEDIATAMENTE a tal, tenham almofadas fofas, um bom sofá, seus filmes preferidos sempre à mão, gastem grana com viagens, cartão existe pra isso, sejam sinceros consigo mesmo e com os outros, eu sei que às vezes não adianta nada ser sincero com os outros, mas arrisquem, melhor que saibam que tu odeias, que tu amas, que tu queres, que tu não queres, do que teres de passar uma vida interpretando sem ao menos alimentar a pretensão de seguir na carreira teatral, não julguem, desde o cachorro que mordeu o mandinho [que podia ser chato pra dedéu e estar  puxando suas orelhas], muito menos alguma coisa ou alguém que tu não conheças, meus caros, anotem essa, aprendi mordendo a língua. Eu poderia escrever por horas, ninguém leria; e eu também não me importaria, o importante mesmo é que peguem o espírito da “coisa”. Sabe? Menos desculpas esfarrapadas, menos adiar o que se quer, mais vida, mais agora. Entreguem-se aos pequenos detalhes que tornam os dias felizes, e não deixem que eles percam o efeito, quase alucinógeno e lícito - comemorem! – que causam nas nossas segundas preguiçosas. Não deixem de sorrir quando aquela música especial tocar, seja onde for, seja com quem for, não desaprendam a singela e refinada arte de conquistar novas amizades e muito menos esqueçam de cultivar cuidadosamente e carinhosamente as antigas, não magoe quem te ama, mas antes disso, não se magoem, não deixem de dar bom dia, segurar a porta, agradecer, abraçar, vejam o sol nascer sempre que possível, vejam o sol se pôr sempre que possível, pensem sim no futuro, mas não enlouqueçam por ele, vai chegar e acontecer de qualquer forma, melhor estarmos de bom humor, façam uma loucura de vez em [sempre] quando, acendam um [dois, três, quatro] incenso – defumem a casa, fotografem com filme e obriguem-se a revelar, surpreendam-se, ouçam o seu próprio silêncio e ouçam a voz dos outros, olhem nos olhos, achem um cantinho perfeito num sofá gigante, fabrique memórias dignas de ocupar sua massa cinzenta e pule as sete ondas com a convicção de que viver é muito mais fácil do que sobreviver. Tentem e, quando por descuido, assim, ao soprar do vento ou com aquele cheiro bom de chuva notarem que estão felizes por nada e perceberem que esse nada vale tudo nem precisam vir me agradecer.

“Entregue-se àquilo que te faz sentir!”

Paula Moran  Dezembro/2012

É carnaval. . .


...[ dentro de nós ]

Vão-se os amores da noite pro dia, deixando apenas aquela infinita amargura verborrágica entre casais que gastavam os sóis, invadiam as madrugadas e esqueciam-se do mundo – que não fosse o pintado por eles -, apenas para orbitarem em torno do silêncio, aquele conhecido vazio sonoro repleto de sentido. E sabe o motivo de tudo isso ser assim, feito um script, como é? De o tal do amor que descrevem, pintam e bordam por aí ter começo lindo, meio turbulento e final iminente? Simples, não é amor. Saber o que é aí sim pode ser bem complicado, não por não se ter opções e sim por existirem muitas delas. Amor se explica por si só, digo isso porque ele não precisa fazer sentido para nenhum dos lados, e de fato não o faz, ele não exige contratos, ele rasga os rótulos e dispensa medíocres atualizações no facebook. Ele pode chegar no auge do inverno em meio aos resmungos gelados entre goles quentes de café, e chega, mas ele não vai embora com a brisa luxuriosa do verão, logo ao passar do primeiro Arlequim no carnaval, Pierrot [amor] que é Pierrot [amor] preserva sua (seu) Colombina [amor].

Paula Moran  Janeiro/2013